ÀS VÉSPERAS DE SEUS 100 ANOS, OIT PROPÕE CRIAR TRIBUNAL PARA JULGAR CONVENÇÕES

Duas propostas com potencial de causar forte polêmica entre os países vêm sendo articuladas nos ambientes diplomáticos, em Genebra, em meio à contagem regressiva para a comemoração dos 100 anos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2019.

Reportagem do “Valor” apurou que alguns países europeus defendem uma declaração “bombástica” para 2019 em torno da modernização da entidade, que poderá atrair sindicatos e algumas organizações patronais.

Primeiro, esses países querem a criação de um tribunal na OIT para julgar se determinadas políticas de emprego e de trabalho são compatíveis com as convenções da entidade. Segundo, querem atribuir à OIT a revisão de acordos comerciais internacionais, para examinar sua compatibilidade com regras trabalhistas. É algo que alguns negociadores desenvolvidos parecem ver como uma forma de pressão sobre emergentes, por exemplo.

A instalação de um tribunal na OIT está na sua constituição, que vem de 1919, mas nunca foi implementado justamente pelo desacordo entre os países. Alguns temem interpretações mais políticas do que técnicas, além de eventuais sanções que podem vir de um tribunal.

Atualmente, existe uma Comissão de Aplicação de Normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que já tem provocado polêmicas. A mais recente foi com o governo brasileiro, quando a comissão colocou o Brasil na lista de suspeitos de violação de direitos trabalhistas por causa da reforma feita pelo governo de Michel Temer.

O governo brasileiro reagiu duramente, alegando que a comissão sequer esperou para ver resultados da reforma, não foi imparcial e nem respeitou o aspecto tripartite da entidade (levando em conta as posições de governo, trabalhadores e de patrões).

Na ocasião, o governo acusou a OIT de se tornar “peça de manobra em um jogo em que se combinam motivações político-partidárias e

 interesses corporativos, como as barulhentas e desrespeitosas manifestações nos últimos dias evidenciam”.

A comissão acabou recuando, sem condenar o Brasil, mas pediu ao governo para dar algumas explicações. Para o Brasil, uma aprovação da Comissão de Inquérito da OIT para examinar a reforma trabalhista, como queriam sindicatos com apoio dos governos do Uruguai e Venezuela, teria sido ‘uma extravagância completa’.

É nesse cenário que negociadores, que não querem ter nomes citados, tentam pavimentar discussões sobre as propostas, enquanto alguns observadores veem riscos de mais politização da entidade.

A OIT, dirigida por Guy Rider, de origem sindicalista britânica, vê nas comemorações dos 100 anos a ocasião para reafirmar valores fundamentais da visão da entidade num mundo do trabalho em profunda transformação.

Depois de 1919, quando foi criada, os princípios da OIT foram atualizados em 1944 com a Declaração da Filadélfia. Ela afirma que o trabalho não é uma mercadoria, que a liberdade de expressão e a liberdade sindical são essenciais a um progresso duradouro, que a pobreza constitui um perigo para a prosperidade de todos.

Oficialmente, pelo momento, o que está certo para o ano que vem é adotar novas normas ‘históricas’ para combater a violência e o assédio no mundo do trabalho. Mas a expectativa é grande de governos, trabalhadores e empregadores decidirem atualizar alguns capítulos da constituição da OIT – como a criação do tribunal e a possibilidade de discutir impacto de acordos comerciais.

Para a OIT, é imperativo examinar a evolução, o ritmo, amplitude e profundidade de mudanças sem precedentes, com a quarta revolução industrial. Considera que o perigo é que as mudanças tecnológicas, incluindo a digitalização e a robótica, dominem o debate. Observa que a tecnologia não é o único motor da mudança, e aponta outros, como organização do trabalho e da produção, a globalização, a mudança climática e a demografia.

No último sábado, na reunião de ministros do Trabalho do G-20, na Argentina, o diretor-geral da OIT, Guy Rider, destacou também necessidade de os países reorganizarem a aprendizagem ao longo da vida, reforçarem a proteção social e não deixar ninguém de lado. Para ele, os fóruns multilaterais devem hierarquizar suas respostas em face às desigualdades e não se limitar a apenas políticas de crescimento econômico.

(Fonte: Valor Econômico